RMS 61.302-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, por maioria, julgado em 26/08/2020, DJe 04/09/2020
DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL
Direito à privacidade e à intimidade. Identificação de usuários em determinada localização geográfica. Imposição que não indica pessoa individualizada. Requisição de dados pessoais armazenados por provedor de serviços de internet. Ausência de ilegalidade ou de violação dos princípios e garantias constitucionais. Fundamentação da medida. Necessidade.
A determinação judicial de quebra de sigilo de dados informáticos estáticos (registros), relacionados à identificação de usuários que operaram em determinada área geográfica, suficientemente fundamentada, não ofende a proteção constitucional à privacidade e à intimidade.
Os direitos à vida privada e à intimidade fazem parte do núcleo de direitos relacionados às liberdades individuais, sendo, portanto, protegidos em diversos países e em praticamente todos os documentos importantes de tutela dos direitos humanos. No Brasil, a Constituição Federal, no art. 5º, X, estabelece que: "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação". Nesse contexto, a ideia de sigilo expressa verdadeiro direito da personalidade, notadamente porque se traduz em garantia constitucional de inviolabilidade dos dados e informações inerentes a pessoa, advindas também de suas relações no âmbito digital.
Em uma sociedade em que a informação é compartilhada cada vez com maior velocidade, nada mais natural que a preocupação do indivíduo em assegurar que fatos inerentes a sua vida pessoal sejam protegidos, sobretudo diante do desvirtuamento ou abuso de interesses de terceiros. Entretanto, mesmo reconhecendo que o sigilo é expressão de um direito fundamental de alta relevância ligado à personalidade, a doutrina e a jurisprudência compreendem que não se trata de um direito absoluto, admitindo-se a sua restrição quando imprescindível ao interesse público.
De fato, embora deva ser preservado na sua essência, este Superior Tribunal de Justiça, assim como a Suprema Corte, entende que é possível afastar a proteção ao sigilo quando presentes circunstâncias que denotem a existência de interesse público relevante, invariavelmente por meio de decisão proferida por autoridade judicial competente, suficientemente fundamentada, na qual se justifique a necessidade da medida para fins de investigação criminal ou de instrução processual criminal, sempre lastreada em indícios que devem ser, em tese, suficientes à configuração de suposta ocorrência de crime sujeito à ação penal pública.
Importante ressaltar que a determinação de quebra de dados informáticos estáticos, relativos a arquivos digitais de registros de conexão ou acesso a aplicações de internet e eventuais dados pessoais a eles vinculados, é absolutamente distinta daquela que ocorre com as interceptações das comunicações, as quais dão acesso ao fluxo de comunicações de dados, isto é, ao conhecimento do conteúdo da comunicação travada com o seu destinatário. Há uma distinção conceitual entre a quebra de sigilo de dados armazenados e a interceptação do fluxo de comunicações. Decerto que o art. 5º, X, da CF/88 garante a inviolabilidade da intimidade e da privacidade, inclusive quando os dados informáticos constarem de banco de dados ou de arquivos virtuais mais sensíveis. Entretanto, o acesso a esses dados registrados ou arquivos virtuais não se confunde com a interceptação das comunicações e, por isso mesmo, a amplitude de proteção não pode ser a mesma.
Com efeito, o procedimento de que trata o art. 2º da Lei n. 9.296/1996, cujas rotinas estão previstas na Resolução n. 59/2008 (com alterações ocorridas em 2016) do CNJ, os quais regulamentam o art. 5º, XII, da CF, não se aplicam a procedimento que visa a obter dados pessoais estáticos armazenados em seus servidores e sistemas informatizados de um provedor de serviços de internet. A quebra do sigilo desses dados, na hipótese, corresponde à obtenção de registros informáticos existentes ou dados já coletados.
Ademais, não há como pretender dar uma interpretação extensiva aos referidos dispositivos, de modo a abranger a requisição feita em primeiro grau, porque a ordem é dirigida a um provedor de serviço de conexão ou aplicações de internet, cuja relação é devidamente prevista no Marco Civil da Internet, o qual não impõe, entre os requisitos para a quebra do sigilo, que a ordem judicial especifique previamente as pessoas objeto da investigação ou que a prova da infração (ou da autoria) possa ser realizada por outros meios.
Nota-se que os arts. 22 e 23 do Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/2014) não exigem a indicação ou qualquer elemento de individualização pessoal na decisão judicial. Assim, para que o magistrado possa requisitar dados pessoais armazenados por provedor de serviços de internet, mostra-se satisfatória a indicação dos seguintes elementos previstos na lei: a) indícios da ocorrência do ilícito; b) justificativa da utilidade da requisição; e c) período ao qual se referem os registros. Não é necessário, portanto, que o magistrado fundamente a requisição com indicação da pessoa alvo da investigação, tampouco que justifique a indispensabilidade da medida, ou seja, que a prova da infração não pode ser realizada por outros meios.
Logo, a quebra do sigilo de dados armazenados, de forma autônoma ou associada a outros dados pessoais e informações, não obriga a autoridade judiciária a indicar previamente as pessoas que estão sendo investigadas, até porque o objetivo precípuo dessa medida, na expressiva maioria dos casos, é justamente de proporcionar a identificação do usuário do serviço ou do terminal utilizado.
De se observar, quanto à proporcionalidade da quebra de dados informáticos, se a determinação judicial atende aos seguintes critérios: a) adequação ou idoneidade (dos meios empregados para se atingir o resultado); b) necessidade ou proibição de excesso (para avaliar a existência ou não de outra solução menos gravosa ao direito fundamental em foco); c) proporcionalidade em sentido estrito (para aferir a proporcionalidade dos meios empregados para o atingimento dos fins almejados).
Logo, a ordem judicial para quebra do sigilo dos registros, delimitada por parâmetros de pesquisa em determinada região e por período de tempo, não se mostra medida desproporcional, porquanto, tendo como norte a apuração de gravíssimos crimes, não impõe risco desmedido à privacidade e à intimidade dos usuários possivelmente atingidos por tal diligência.
CC 166.732-DF, Rel. Min. Laurita Vaz, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 14/10/2020, DJe 21/10/2020
DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL
Crime de falso testemunho. Processo em trâmite no TJDFT. Ausência de interesse da União. Competência da Justiça do Distrito Federal e dos Territórios.
A Justiça do Distrito Federal é a competente para julgar o crime de falso testemunho praticado em processos sob sua jurisdição.
Ao desenhar a partição de competências do Poder Judiciário da União, a Constituição da República dividiu-o em cinco ramos: 1) Justiça Comum Federal; 2) Justiça Eleitoral; 3) Justiça do Trabalho; 4) Justiça Militar; e 5) Justiça do Distrito Federal e dos Territórios.
Segundo a Súmula 165/STJ, "compete à justiça federal processar e julgar crime de falso testemunho cometido no processo trabalhista". Ademais, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 3.684 concluiu, em definitivo, faltar à Justiça do Trabalho jurisdição penal (Rel. Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe 29/05/2020). Exceptuada a Justiça do Trabalho, todos os demais ramos do Poder Judiciário da União têm jurisdição penal.
Ocorre que, em 1992, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça proferiu acórdão no qual firmou a competência da Justiça Federal para julgar crime de falso testemunho praticado contra a administração da Justiça Eleitoral (CC 2.437/SP, Rel. Ministro José Dantas, DJ 06/04/1992). Pela jurisprudência do STJ, portanto, no caso de depoimento falso constatado em causa no âmbito do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal, é da Justiça Federal a competência para processar e julgar tal delito.
No âmbito da Justiça Militar o Superior Tribunal Militar reconhece a atribuição da Justiça Castrense para o crime de falso testemunho (art. 346 do Código Penal Militar) cometido em processos de sua jurisdição.
Entretanto, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, ao contrário da Justiça Trabalhista, detém atribuições criminais (como também as Justiças Eleitoral e a Militar). Todavia, diferentemente de todos outros braços do Poder Judiciário da União, o TJDFT possui natureza híbrida, pois sua competência jurisdicional corresponde à dos Tribunais estaduais (ou seja, não se trata de Justiça especializada). Por isso, o Superior Tribunal de Justiça proferiu julgados nos quais consignou que outros crimes (diversos do falso testemunho) cometidos contra o MPDFT ou o TJDFT não são processados e julgados na Justiça Comum Federal.
Em conclusão, a índole sui generis da Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, distinta por sua atribuição jurisdicional equivalente à dos Tribunais estaduais, impede o reconhecimento de interesse direto da União na causa.
HC 568.693-ES, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 14/10/2020, DJe 16/10/2020
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Prisão preventiva. Liberdade provisória condicionada ao pagamento de fiança. Pandemia de covid-19. Recomendação n. 62/CNJ. Excepcionalidade das prisões. Ordem concedida. Extensão dos efeitos para todo o território nacional.
Em razão da pandemia de covid-19, concede-se a ordem para a soltura de todos os presos a quem foi deferida liberdade provisória condicionada ao pagamento de fiança e que ainda se encontram submetidos à privação cautelar em razão do não pagamento do valor.
Busca-se no habeas corpus coletivo, a soltura de todos os presos do estado do Espírito Santo que tiveram o deferimento da liberdade provisória condicionada ao pagamento de fiança.
Não se pode olvidar que o Conselho Nacional de Justiça editou a Recomendação n. 62/2020, em que recomenda aos tribunais e magistrados a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus - covid-19 no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo.
Nesse contexto, corroborando com a evidência de notória e maior vulnerabilidade do ambiente carcerário à propagação do novo coronavírus, nota técnica apresentada após solicitação apresentada pela Coordenação do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais no Distrito Federal - IBCCrim/DF, demonstra que, sendo o distanciamento social tomado enquanto a medida mais efetiva de prevenção à infecção pela covid-19, as populações vivendo em aglomerações, como favelas e presídios, mostram-se significativamente mais sujeitas a contrair a doença mesmo se proporcionados equipamentos e insumos de proteção a estes indivíduos.
Por sua vez, a Organização das Nações Unidas (ONU), admitindo o contexto de maior vulnerabilidade social e individual das pessoas privadas de liberdade em estabelecimentos penais, divulgou, em 31/3/2020, a Nota de Posicionamento - Preparação e respostas à covid-19 nas prisões. Dentre as análises realizadas, a ONU afirma a possível insuficiência de medidas preventivas à proliferação da covid-19 nos presídios em que sejam verificadas condições estruturais de alocação de presos e de fornecimento de insumos de higiene pessoal precárias, a exemplo da superlotação prisional. Assim, a ONU recomenda a adoção de medidas alternativas ao cárcere para o enfrentamento dos desafios impostos pela pandemia aos já fragilizados sistemas penitenciários nacionais e à situação de inquestionável vulnerabilidade das populações neles inseridas.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) igualmente afirmou, por meio de sua Resolução n. 1/2020, a necessidade de adoção de medidas alternativas ao cárcere para mitigar os riscos elevados de propagação da covid-19 no ambiente carcerário, considerando as pessoas privadas de liberdade como mais vulneráveis à infecção pelo novo coronavírus se comparadas àquelas usufruindo de plena liberdade ou sujeitas a medidas restritivas de liberdade alternativas à prisão.
Por essas razões, somadas ao reconhecimento, pela Corte, na ADPF n. 347 MC/DF, de que nosso sistema prisional se encontra em um estado de coisas inconstitucional, é que se faz necessário dar imediato cumprimento às recomendações apresentadas no âmbito nacional e internacional, que preconizam a máxima excepcionalidade das novas ordens de prisão preventiva, inclusive com a fixação de medidas alternativas à prisão, como medida de contenção da pandemia mundialmente causada pelo coronavírus (covid-19).
Assim, nos termos em que preconiza o Conselho Nacional de Justiça em sua Resolução, não se mostra proporcional a manutenção dos investigados na prisão, tão somente em razão do não pagamento da fiança, visto que os casos - notoriamente de menor gravidade - não revelam a excepcionalidade imprescindível para o decreto preventivo.
Ademais, o Judiciário não pode se portar como um Poder alheio aos anseios da sociedade, sabe-se do grande impacto financeiro que a pandemia já tem gerado no cenário econômico brasileiro, aumentando a taxa de desemprego e diminuindo ou, até mesmo, extirpando a renda do cidadão brasileiro, o que torna a decisão de condicionar a liberdade provisória ao pagamento de fiança ainda mais irrazoável.
REsp 1.856.498-PE, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, por maioria, julgado em 06/10/2020, DJe 13/10/2020
DIREITO ADMINISTRATIVO
Precatório ou Requisição de Pequeno Valor - RPV. Cancelamento. Arts. 2º e 3º da Lei n. 13.463/2017. Reexpedição. Prescrição. Inocorrência.
É imprescritível a pretensão de expedição de novo precatório ou nova Requisição de Pequeno Valor - RPV, após o cancelamento de que trata o art. 2º da Lei n. 13.463/2017.
Cinge-se a controvérsia sobre a ocorrência de eventual prescrição ante o transcurso de mais de cinco anos entre a data da expedição da RPV originária e a data do requerimento para expedição de novo requisitório de pagamento - previsão contida no art. 3º da Lei n. 13.463/2017, em virtude de seu cancelamento.
A previsão no referido artigo é expressa ao determinar que, havendo o cancelamento do precatório ou RPV, poderá ser expedido novo ofício requisitório, a requerimento do credor, não havendo, por opção do legislador, prazo prescricional para que o credor faça a respectiva solicitação. Esse dispositivo legal deixa à mostra que não se trata de extinção de direito do credor do precatório ou RPV, mas sim de uma postergação para recebimento futuro, quando tiverem decorridos 2 anos da liberação, sem que o credor levante os valores correspondentes.
De acordo com o sistema jurídico brasileiro, nenhum direito perece sem que haja previsão expressa do fenômeno apto a produzir esse resultado. Portanto, não é lícito estabelecer-se, sem lei escrita, ou seja, arbitrariamente, uma causa inopinada de prescrição.
Por outro lado, o retorno dos valores do precatório ou RPV, havendo seu cancelamento depois de um biênio, tem todo o aspecto de um empréstimo ao ente público pagador, tanto que o credor poderá requerer novo requisitório, sem limite de tempo e sem quantificação do número de vezes.
Com efeito, por ausência de previsão legal quanto ao prazo para que o credor solicite a reexpedição do precatório ou RPV, não há que se falar em prescrição, sobretudo por se tratar do exercício de um direito potestativo, o qual não estaria sujeito à prescrição, podendo ser exercido a qualquer tempo. Precedentes: REsp. 1.827.462/PE, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 11.10.2019; AgRg no REsp. 1.100.377/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 18.3.2013.
Efetuado o depósito dos valores do precatório ou RPV, os montantes respectivos se transferem à propriedade do credor, pois saem da esfera de disponibilidade patrimonial do ente público. Sendo de sua propriedade, o credor pode optar por sacá-los quando bem entender; eventual subtração da quantia que lhe pertence, para retorná-la em caráter definitivo aos cofres públicos, configuraria verdadeiro confisco - ou mesmo desapropriação de dinheiro, instituto absolutamente esdrúxulo e ilegal.
REsp 1.579.967-RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 08/09/2020, DJe 09/10/2020
DIREITO TRIBUTÁRIO
Contribuição previdenciária sobre receita bruta - CPRB. Operações de vendas destinadas à Zona Franca de Manaus. Equivalência à exportação. Isenção.
As receitas decorrentes das operações de vendas de mercadorias destinadas à Zona Franca de Manaus devem ser excluídas da base de cálculo da contribuição previdenciária sobre a receita bruta.
A Lei n. 12.546/2011, com redação dada pela Lei n. 12.844/13, criou espécie de contribuição previdenciária substitutiva: "até 31 de dezembro de 2014, contribuirão sobre o valor da receita bruta, excluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos, à alíquota de 1% (um por cento), em substituição às contribuições previstas nos incisos I e III do art. 22 da Lei n. 8.212/1991, as empresas que fabricam os produtos classificados na TIPI, aprovada pelo Decreto n. 7.660/2011, nos códigos referidos no Anexo desta Lei" (art. 8º); e dispôs que, "para fins do disposto nos arts. 7º e 8º, exclui-se da base de cálculo das contribuições a receita bruta de exportações" (art. 9º, II).
Por sua vez, a Zona Franca de Manaus constitui área de livre comércio instituída pelo Decreto-lei n. 288/1967, cujo art. 4º veicula incentivo fiscal especial, estabelecendo que "a exportação de mercadorias de origem nacional para consumo ou industrialização na Zona Franca de Manaus, ou reexportação para o estrangeiro, será para todos os efeitos fiscais, constantes da legislação em vigor, equivalente a uma exportação brasileira para o estrangeiro".
As vendas de mercadorias para a Zona Franca de Manaus, na linha de pacífico entendimento jurisprudencial deste Tribunal Superior, são alcançadas pela regra do art. 9º, II, da Lei n. 12.546/2011.
A propósito, a Segunda Turma tem assim entendido: "a venda de mercadorias para empresas situadas na Zona Franca de Manaus equivale à exportação de produto brasileiro para o estrangeiro, em termos de efeitos fiscais, segundo interpretação do Decreto-lei n. 288/1967, de modo que, com base nesse entendimento consolidado, é possível concluir que não incide sobre tais receitas a contribuição substitutiva prevista na Lei n. 12.546/2011" (AgInt no REsp 1.736.363/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 06/09/2018, DJe 13/09/2018).
REsp 1.649.595-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/10/2020, DJe 16/10/2020
DIREITO CIVIL
Alienação fiduciária de imóvel. Lei n. 9.514/1997. Consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário. Purgação da mora. Após vigência da Lei n. 13.465/2017. Impossibilidade. Assegurado ao devedor fiduciante o direito de preferência.
Nos contratos de mútuo imobiliário com pacto adjeto de alienação fiduciária, com a entrada em vigor da Lei n. 13.465/2017, não se admite a purgação da mora após a consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário, sendo assegurado ao devedor fiduciante tão somente o exercício do direito de preferência.
Segundo o entendimento do STJ, a purgação da mora, nos contratos de mútuo imobiliário com garantia de alienação fiduciária, submetidos à disciplina da Lei n. 9.514/1997, é admitida no prazo de 15 (quinze) dias, conforme previsão do art. 26, § 1º, da lei de regência, ou a qualquer tempo, até a assinatura do auto de arrematação, com base no art. 34 do Decreto-Lei n. 70/1966, aplicado subsidiariamente às operações de financiamento imobiliário relativas à Lei n. 9.514/1997.
Sobrevindo a Lei n. 13.465/2017, que introduziu no art. 27 da Lei n. 9.514/1997 o § 2º-B, não se cogita mais da aplicação subsidiária do Decreto-Lei n. 70/1966, uma vez que, consolidada a propriedade fiduciária em nome do credor fiduciário, descabe ao devedor fiduciante a purgação da mora, sendo-lhe garantido apenas o exercício do direito de preferência na aquisição do bem imóvel objeto de propriedade fiduciária.
Desse modo: I) antes da entrada em vigor da Lei n. 13.465/2017, nas situações em que já consolidada a propriedade e purgada a mora nos termos do art. 34 do Decreto-Lei n. 70/1966 (ato jurídico perfeito), impõe-se o desfazimento do ato de consolidação, com a consequente retomada do contrato de financiamento imobiliário; II) a partir da entrada em vigor da lei nova, nas situações em que consolidada a propriedade, mas não purgada a mora, é assegurado ao devedor fiduciante tão somente o exercício do direito de preferência previsto no § 2º-B do art. 27 da Lei n. 9.514/1997.
REsp 1.704.189-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/10/2020, DJe 19/10/2020
DIREITO CIVIL
Violação de direito autoral. Trecho de obra musical. Fonograma. Nome de programa televisivo. Autorização prévia e expressa. Inexistência. Uso indevido. Danos patrimoniais. Caracterização.
A utilização do trecho de maior sucesso de obra musical como título de programa televisivo, em conjunto com o fonograma, sem autorização do titular do direito, viola os direitos patrimoniais do autor.
No Brasil, a Lei n. 9.610/1998 (LDA), que disciplina os direitos de autor e os direitos conexos, reconhece o duplo aspecto do direito autoral. De um lado, a lei protege os direitos de natureza moral do autor, relacionados à defesa e à proteção da autoria e da integridade da obra (arts. 24 a 27 da LDA). São, em sua essência, direitos de personalidade do autor e como tais, irrenunciáveis e inalienáveis.
De outro lado, tem-se os direitos de conteúdo patrimonial, que conferem ao autor "o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica" (art. 28 da LDA) e que garantem a ele o aproveitamento econômico de sua obra, protegendo os meios pelos quais o autor poderá obter vantagens pecuniárias de sua criação. Por esse motivo, qualquer forma de utilização da obra por pessoa diversa do autor dependerá de sua prévia e expressa autorização (art. 29 da LDA).
A LDA, contudo, dispõe acerca dos limites ao direito do autor, prevendo hipóteses em que a utilização da obra não constituirá ofensa aos direitos autorais (arts. 46 a 48 da LDA). Dentre essas limitações, destaca-se a citação de pequenos trechos de obras preexistentes "sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores" (inciso VIII do art. 46, da LDA).
Assim, nos termos da legislação em vigor, e tendo como parâmetro a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a respeito do tema, verifica-se, a princípio, que poderá haver violação de direitos patrimoniais do autor quando houver a utilização, sem autorização do titular do direito, tanto do fonograma, quanto de trecho da obra musical, desde que esse uso não esteja amparado pelos limites previstos em lei (arts. 46 a 48 da LDA).
No caso, a escolha do trecho de maior sucesso da obra musical como título de programa televisivo e seu uso em conjunto com o fonograma, gerou uma associação inadequada do autor da obra musical com a emissora, que utilizou o sucesso da música como título em sua programação semanal também como forma de atrair audiência.
REsp 1.859.606-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 06/10/2020, DJe 15/10/2020
DIREITO CIVIL
Plano de saúde. Custeio de tratamento médico. Infertilidade coexistente à endometriose e baixa reserva ovariana. Fertilização in vitro. Cobertura não obrigatória.
A operadora de plano de saúde não é obrigada a custear o procedimento de fertilização in vitro associado ao tratamento de endometriose profunda.
A Terceira Turma, ao julgar o REsp 1.815.796/RJ (DJe de 09/06/2020), fez a distinção entre o tratamento da infertilidade - que, segundo a jurisprudência, não é de cobertura obrigatória pelo plano de saúde (REsp 1.590.221/DF, Terceira Turma, julgado em 07/11/2017, DJe de 13/11/2017) - e a prevenção da infertilidade, enquanto efeito adverso do tratamento prescrito ao paciente e coberto pelo plano de saúde.
Na ocasião daquele julgamento, decidiu-se pela necessidade de atenuação dos efeitos colaterais, previsíveis e evitáveis da quimioterapia, dentre os quais a falência ovariana, em atenção ao princípio médico primum non nocere e à norma que emana do art. 35-F da Lei n. 9.656/1998, e se concluiu pela manutenção da condenação da operadora à cobertura de parte do procedimento de reprodução assistida pleiteado, cabendo à beneficiária arcar com os eventuais custos a partir da alta do tratamento quimioterápico.
No particular, diferentemente do contexto delineado no mencionado REsp 1.815.796/RJ, verifica-se que o procedimento de fertilização in vitro não foi prescrito à parte para prevenir a infertilidade decorrente do tratamento para a endometriose, senão como tratamento da infertilidade coexistente à endometriose, a cuja cobertura não está obrigada a operadora do plano de saúde.
É dizer, não se evidencia que a infertilidade é efeito colateral, previsível e evitável do tratamento prescrito para a endometriose, mas uma patologia que preexiste a este, associada à baixa reserva ovariana e à endometriose, cujo tratamento é feito por meio dos procedimentos de reprodução assistida.
Constata-se, assim, que a fertilização in vitro não é o único recurso terapêutico para a patologia, mas uma alternativa à cirurgia que resolve o problema da infertilidade a ela associada.
HC 569.014-RN, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 06/10/2020, DJe 14/10/2020
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
Devedor de alimentos. Regime fechado. Pedido de soltura. Pandemia do novo coronavírus. Análise caso a caso. Manifesta teratologia/ilegalidade. Antes ou depois da Lei n. 10.410/2020.
É ilegal/teratológica a prisão civil do devedor de alimentos, sob o regime fechado, no período de pandemia, anterior ou posterior à Lei n. 14.010/2020.
Trata-se de ato coator consistente no indeferimento do pedido coletivo liminar em habeas corpus impetrado na origem, De seus termos, ressai clara a possibilidade de subsistir o aprisionamento em estabelecimento coletivo de devedor de alimentos durante a pandemia causada pelo Coronavírus (Covid-19), devendo-se levar em consideração, determinadas circunstâncias, como o estado de saúde do devedor.
O ato coator, no cenário pandêmico em que se vivencia, encerra manifesta teratologia.
Em atenção: I) ao estado de emergência em saúde pública declarado pela Organização Mundial de Saúde, que perdura até os dias atuais, decorrente da pandemia de Covid-19, doença causada pelo Coronavírus (Sars-Cov-2); II) à adoção de medidas necessárias à contenção da disseminação levadas a efeito pelo Poder Público, as quais se encontram em vigor; III) à Recomendação n. 62 do Conselho Nacional de Justiça consistente na colocação em prisão domiciliar das pessoas presas por dívida alimentícia; e, mais recentemente, IV) à edição da Lei n. 14.010/2020, de 10 de junho de 2020, que determinou, expressamente, que, até 30 de outubro de 2020, a prisão civil por dívida de alimentos seja cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações, mostra-se flagrante a ilegalidade no ato atacado.
As Turmas de Direito Privado do STJ são uníssonas em reconhecer a indiscutível ilegalidade/teratologia da prisão civil, sob o regime fechado, no período de pandemia, anterior ou posterior à Lei n. 14.010/2020.
A divergência subsistente no âmbito das Turmas de Direito Privado refere-se apenas ao período anterior à edição da Lei n. 14.010/2020, tendo esta Terceira Turma, no tocante a esse interregno, compreendido ser possível o diferimento da prisão civil para momento posterior ao fim da pandemia; enquanto a Quarta Turma do STJ tem reconhecido a necessidade de aplicar o regime domiciliar.
REsp 1.823.284-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/10/2020, DJe 15/10/2020
DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL
Ação redibitória. Aquisição de veículo defeituoso. Rescisão contratual. Restituição dos valores pagos. Devolução do veículo. Obrigatoriedade. Vedação ao enriquecimento sem causa.
É obrigatória a devolução de veículo considerado inadequado ao uso após a restituição do preço pelo fornecedor no cumprimento de sentença prolatada em ação redibitória.
O enunciado normativo do art. 18, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor, confere ao consumidor, nas hipóteses de constatação de vício que torne inadequado o produto adquirido ao uso a que se destina, três alternativas, dentre as quais, a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos.
Evidente, portanto, a intenção do legislador de conferir ao consumidor, entre outras alternativas, o direito à rescisão do contrato de compra e venda, em face da ocorrência do vício de qualidade do produto que o torne impróprio ao uso a que se destina, retornando às partes ao status quo ante com a extinção do vínculo contratual.
Assim, acolhida a pretensão redibitória do consumidor, rescinde-se o contrato de compra e venda, retornando as partes à situação anterior à sua celebração (status quo ante), sendo uma das consequências automáticas da sentença a sua eficácia restitutória, com a restituição atualizada do preço pelo vendedor e devolução da coisa adquirida pelo comprador.
Naturalmente, essa alternativa conferida ao consumidor deve ser compreendida à luz dos princípios reitores do sistema de Direito Privado, especialmente os princípios da boa-fé objetiva e da vedação do enriquecimento sem causa.
A boa-fé objetiva, na sua função de controle, limita o exercício dos direitos subjetivos e estabelece para o credor, ao exercer o seu direito, o dever de se ater aos limites por ela traçados, sob pena de uma atuação antijurídica. Por sua vez, a venire contra factum proprium, é o exercício de uma posição jurídica desleal e em contradição com o comportamento anterior do exercente.
Constitui obrigação do consumidor devolver o veículo viciado à fornecedora, sob pena de afronta ao art. 884, do Código Civil, de vez que o recebimento da restituição integral e atualizada do valor pago, sem a devolução do bem adquirido, ensejaria o enriquecimento sem causa do consumidor.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi criado pela Constituição Federal de 1988 com a finalidade de preservar a uniformidade da interpretação das leis federais em todo o território brasileiro. Endereço: SAFS - Quadra 06 - Lote 01 - Trecho III. CEP 70095-900 | Brasília/DF. Telefone: (61) 3319-8000 | Fax: (61) 3319-8700. Home page: www.stj.jus.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. Informativo 681 do STJ - 2020 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 nov 2020, 16:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Informativos dos Tribunais/56269/informativo-681-do-stj-2020. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL
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